quarta-feira, 31 de março de 2010

Parâmetros Curriculares Nacionais

A discussão sobre o ensino de Língua Portuguesa, nos PCN, como também nas propostas curriculares estaduais produzidas nos anos 80, é orientada por fatores de caráter social, "externo" à própria disciplina, como, por exemplo, a presença na escola de uma clientela diferente daquela que veio freqüentando os bancos escolares até a década de 60; a questão da ordem social assumida a partir da década de 80 após anos de ditadura; e, pela constatação mais uma vez do fracasso da escola no enfrentamento de problemas relacionados à evasão, repetência e analfabetismo.
Por outro lado, o ensino de língua portuguesa passa a ser repensado por razões internas (inerentes ao desenvolvimento de novos paradigmas no campo das ciências e da linguagem) que orientam a discussão a partir de conhecimentos sobre quem ensina e quem aprende; sobre como se ensina e como se aprende; sobre linguagem e língua. Pesquisas na área interdisciplinar, como psicologia, sociologia, lingüística, psicolingüística e sociolingüística, desencadeiam um esforço de revisão das práticas de ensino da língua, na direção de orientá-las para a re-significação das noções de erro construtivo, de conflito cognitivo, de conhecimento prévio que o aluno traz para a escola, de construção do conhecimento de natureza conceitual através da interação com o objeto etc. Por outro lado, o campo das ciências da linguagem (em substituição ao estruturalismo e teoria da comunicação) aponta para a concepção da linguagem como forma de interação mediadora e constitutiva das relações sociais, para a percepção das diferenças dialetais, para a necessidade de se ensinar a partir da diversidade textual, para adoção das práticas de leitura e produção e de análise lingüística em suas condições de uso e de reflexão como conteúdo da disciplina.
Nesse discurso assumido pelos PCN pode-se ler uma crítica velada e explícita ao ensino tradicional, entendido como aquele que desconsidera a realidade e os interesses dos alunos, a excessiva escolarização das atividades de leitura e de escrita, artificialidade e fragmentação dos trabalhos, a visão de língua como sistema fixo e imutável de regras, o uso do texto como pretexto para o ensino da Gramática e para a inculcação de valores morais, a excessiva valorização da Gramática normativa e das regras de exceção, o preconceito contras as formas de oralidade e contra as variedades não padrão, o ensino descontextualizado da metalinguagem apoiado em fragmentos lingüísticos e frases soltas.
Nessa perspectiva a finalidade do ensino de língua portuguesa, segundo o documento, deixa de ser exclusivamente o desenvolvimento de habilidades de leitura e de produção ou o domínio da língua escrita padrão, para passar a ser o domínio da competência textual além dos limites escolares, na solução dos problemas da vida como no acesso aos bens culturais e à participação plena no mundo letrado.

O que os PCN trazem de "novo" em relação ao ensino de Língua Portuguesa?

O caminho teórico após os anos 80, aquele assumido pelos PCN é que a linguagem existe na escola porque existe fora dela. Não é propriamente um conteúdo escolar. É uma forma de ação interindividual orientada por uma finalidade específica, um processo de interlocução que se realiza nas práticas sociais existentes nos diferentes grupos de uma sociedade, nos distintos momentos em sua história.
Numa crítica ao ensino de língua portuguesa que carrega tradicionalmente uma excessiva escolarização e uma artificialidade nas atividades propostas de leitura e de escrita, o PCN parte do pressuposto que a língua se realiza no uso das práticas sociais, no espaço em que os homens (em diferentes momentos, lugares e contextos) se apropriam dos seus conhecimentos através da ação com e sobre eles, tal como estão postos no mundo, em situações de uso de fato.
Assim é que o homem utiliza a língua tanto oral quanto escrita dentro de uma concreta e determinada situação comunicativa, com condições e finalidades específicas, produz discurso que significa dizer alguma coisa a alguém, de uma determinada forma, num determinado contexto histórico e em determinadas circunstâncias de interlocução.
Não falamos, nem escrevemos com palavras e frases soltas. Expressamos, comunicamos, estabelecemos relações interpessoais e agimos sobre a linguagem através de textos, enquanto produtos de práticas sociais orais e escritas. Uma palavra dita só é entendida dentro de um contexto de uma conversa, de um diálogo, por exemplo, entre pessoas. A expressão fogo produz sentidos para aquele que a lê porque o leitor a contextualiza em uma determinada situação composta por uma finalidade específica e conhecida/compartilhada pelos usuários da língua de uma determinada comunidade.
Os PCN trazem, assim, como "novidade" para o interior das práticas de compreensão (modalidades oral e escrita), produção de textos (oral e escrita) e análise lingüística (oral e escrita), organizadas em torno do eixo do uso–reflexão–uso a questão do gênero permeada pela estreita relação deste conteúdo específico (gênero do discurso) com os usos efetivos da linguagem socialmente construídos nas diferentes práticas discursivas.
Os PCN selecionam alguns gêneros para os 3º e 4º ciclos, como por exemplo: os gêneros literários (poema, texto dramático); os de imprensa (entrevista, carta ao leitor, editorial); os da publicidade (propaganda); os de divulgação científica (exposição, seminário, relatório de experiências, resumo de verbetes de enciclopédia).

Usos e formas nas práticas de compreensão e produção de textos

O professor deve propor situações em que o aluno possa exercitar as práticas sociais de compreensão e produção de textos (oral e escrito) e de análise/reflexão da língua (oral e escrita) em situações lingüisticamente significativas, em situações de uso de fato.
Não basta proporcionar atividades de escrita que partam apenas de temas dados pelo professor, não basta deixar que os alunos escrevam qualquer tipo de texto, os PCN apontam que a escrita não é uma atividade em si e mecânica. Mais do que ter o domínio da língua padrão ou desejar escrever num determinado gênero (por exemplo, um poema), o produtor de texto deve incorporar as dimensões discursivas, incluindo desta maneira os interlocutores, as relações que existem entre eles, a partilha dos mesmos conhecimentos lingüísticos, as condições sociais de produções reais dos textos, as intenções e especificidades de cada texto. Escrever um bilhete para um colega durante uma aula de português, às escondidas do professor que explica a matéria é completamente diferente de escrever um bilhete a um amigo imaginário apenas para cumprir a proposta dada pelo professor para "treinar" o gênero bilhete. São outros os motivos, um outro leitor mais ou menos familiar, outros procedimentos de estruturação e de seleção de palavras, frases e maneiras de dizer.
O ato de escrever envolve múltiplas habilidades, sendo que muitas delas podem estar relacionadas à familiaridade ao gênero em que se está sendo desafiado a escrever. Um aluno pode dominar a prática de escrever um bilhete ao colega durante a aula de Português, como já dissemos, e ter muita dificuldade em escrever uma carta para um jornal da cidade.
Daí, a necessidade do professor proporcionar situações em que seu aluno possa expandir sua capacidade de uso da língua e adquirir outras que não possua em situações lingüisticamente significativas. Por que não lhe propor situações em que se envolva em reescritas, parodiar um poema, ajudando-o na familiaridade com o gênero (poema), etc?
Nessa perspectiva, os conteúdos são orientados pelo princípio da diversidade de textos e gêneros que circulam socialmente, com finalidades e com características diversas. Acesso à diversidade para o uso e domínio de um amplo e complexo repertório cultural orienta a seleção e organização dos conteúdos previstos para cada ano e ciclo.

Nenhum comentário: